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Thursday, 3 September 2020

JOVENS DE ANGOLA

 

A ministra da Juventude e Desportos, Ana Paula do Sacramento, denunciou hoje que existem em Angola associações juvenis que “dizem trabalhar em prol da juventude”, mas nada fazem, considerando que a plataforma de registo agora criada vai regular a situação. Tem razão. Mas se o MPLA diz que trabalha em prol dos angolanos e nada faz nesse sentido, vejam-se os 20 milhões de pobres, se calhar falta-lhe legitimidade moral para criticar os que se limitam a copiar quem nos governa há 45 anos.

“Vamos agora analisar todos, porque algumas realmente remetem a sua documentação, primeiro é que nem são associações juvenis e dizem trabalhar em prol da juventude, e outras são jovens mas que precisam de apoios para darem os primeiros passos e se tornarem mais activas”, afirmou Ana Paula do Sacramento.

A governante, que falava no final da cerimónia de lançamento oficial da plataforma electrónica de registo das associações juvenis e estudantis no país, disse que o mecanismo vai aferir realmente onde e o que fazem as associações juvenis angolanas.

Segundo Ana Paula do Sacramento, as autoridades angolanas precisam saber o objecto social de cada associação juvenil e estudantil, se concorre ou não para o desenvolvimento da Política Nacional da Juventude.

A ministra apontou a necessidade de verificar se a associação “está ou não a trabalhar para o desenvolvimento da comunidade”, ou se existe só juridicamente, “mas de facto não tem tarefa alguma”.

“Portanto, precisamos trabalhar num conjunto de dados que façam com que o movimento associativo seja activo e participativo”, adiantou.

O Ministério da Juventude e Desportos, com o apoio do Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, lançou hoje a plataforma electrónica de registo das associações juvenis e estudantis no país.

O instrumento propõe-se criar uma base de dados do cadastro das organizações juvenis e estudantis de Angola com vista a “identificar, certificar, apoiar, monitorar a dinâmica” e o grau de actividade das organizações juvenis.

De acordo com as autoridades angolanas, a criação desta plataforma electrónica, já disponível no endereço raje.gov.ao surge no quadro da “criação de condições objectivas susceptíveis de promover a participação da juventude na vida pública”.

O regime jurídico das associações juvenis e estudantis foi aprovado em Conselho de Ministros, em Luanda, a 29 de Novembro de 2002, conforme Decreto nº 15/03 de 22 de Abril (Diário da República I Série nº 31, de 22 de Abril de 2003). As associações juvenis são pessoas colectivas de direito privado, dotadas de personalidade jurídica, que se dedicam à promoção, divulgação e organização de actividades em prol da juventude, constituem-­se pela vontade dos “particulares” da faixa etária dos 14 aos 35 anos, respeitando os requisitos estabelecidos.

O Presidente da República, João Lourenço, enviou este ano uma mensagem de conforto e agradecimento aos jovens angolanos, por ocasião do dia da Juventude Angolana, que assinala-se a 14 de Abril, em memória ao herói de guerra (do MPLA, obviamente), José Mendes de Carvalho, mais conhecido por Hoji-ya-Henda.

“Ao assinalar-se mais um 14 de Abril, Dia da Juventude Angolana, aproveito a data para enviar uma mensagem de conforto e agradecimento a esta franja fundamental da população, em reconhecimento da sua dedicação a causas superiores, muitas vezes em detrimento das suas ambições individuais“, declarou João Lourenço.

“É com o País mergulhado num desafio gigantesco – o de evitar a todo o custo que se propague descontroladamente a Covid-19 no seio das nossas comunidades – que celebramos este marco da nossa história, oportunidade para lembrar a todos os cidadãos que é a disciplina, a coesão e a determinação que têm alicerçado, desde sempre, as vitórias e conquistas do Povo Angolano.

Insto cada jovem angolano que, acima de qualquer filiação partidária, credo religioso, origem étnica, nível de escolaridade ou condição social, se transforme num agente de mobilização e sensibilização junto das populações, para que o perigo que pende sobre todos nós seja superado com um mínimo de perdas humanas e económicas.

O Estado continuará a desempenhar o seu papel, aprovando e estimulando políticas económicas e sociais que beneficiem os jovens e ajudem a materializar mais depressa os seus sonhos e aspirações. Continuaremos a lutar todos juntos, independentemente dos factores conjunturais adversos, para que a insubstituível força da Juventude seja suficientemente exponenciada no processo de desenvolvimento político, económico, social e cultural do nosso País, rumo à construção de um futuro melhor para toda a Sociedade“.

Em termos práticos há, como no resto dos “escalões” etários, duas juventudes. A do MPLA e a outra.

Veja-se que o Dia 14 de Abril é o Dia da Juventude do MPLA a que o regime chame de Angolana. E porquê? Porque foi nesse dia, em 1968, que morreu em combate José Mendes de Carvalho, mais conhecido por Hoji-ya-Henda, comandante das FAPLA.

A JMPLA enquanto mero instrumento do partido está, e tem razões para isso, preocupada com o comportamento que os jovens angolanos apresentam nos últimos tempos. Isto porque, ao contrário do que era habitual, a juventude começa a pensar pela própria cabeça, recusando a regra de ouro do regime que sempre visou formatá-la e domesticá-la.

Há uns anos, Tomás Bica, primeiro secretário da JMPLA na capital, disse que a organização juvenil do MPLA, partido que só está no poder desde 1975, pretendia levar a cabo uma série de debates, presume-se que – como é hábito – enquadrados na necessidade ancestral e atávica de reeducar a população.

“A estabilidade familiar é a estabilidade que se pretende, porque as famílias constituem a primeira e a mais antiga instituição de toda sociedade, razão pela qual famílias estáveis significam Estados estáveis, de tal ordem que pedimos à sociedade que o país seja estável, mas é preciso que, primeiramente, as famílias estejam estáveis”, disse Tomás Bica numa tirada filosófica que, só por si, é paradigma do estado actual de alguns dos jovens… do MPLA.

Por sua vez a directora do Gabinete de Cidadania e Sociedade Civil do MPLA, Fátima Viegas, entendia que “um dos remédios está na educação e outro está no papel que a família, enquanto esfera socializadora, deve fazer, porque estes jovens saíram de uma família. Se desta família eles não receberem, eles também não podem dar”.

Certo é que, reiteradamente, a JMPLA necessita de mostrar serviço no âmbito da formação político-patriótica, de modo a inculcar na sociedade que sem o MPLA será o desastre total.

Os meninos do regime ainda não atingiram a fase de pensarem livremente. Quando lá chegarem, se chegarem, só não vão zarpar da JMPLA porque ainda não se sabe se, como no passado recente, as balas e os jacarés estão prontos para satisfazer os ávidos apetites sanguinários dos que matam primeiro e perguntam depois. Quer os jovens autómatos do regime queiram ou não, nem todos os jovens concordam que o dia 14 de Abril, que consagra o dia da juventude do MPLA, em memória de Hoji-ya-Henda, o patrono da JMPLA, seja igualmente considerado o Dia da Juventude angolana.

Será, com certeza, difícil ou até mesmo inexequível encontrar uma data que gere unanimidade. Em democracia o melhor que se consegue, quando se consegue, é um consenso. Encontrar, ou até mesmo criar de raiz, um dia que esteja equidistante das datas assinaladas pelos diferentes partidos seria, cremos, a melhor solução para homenagear todos os jovens angolanos que, de facto, merecem ter um dia que assinale o seu contributo em prol do país.

Desde a independência que Angola tem comemorado – com um enorme abuso de poder e unicidade só aceitável nos países de partido único – o 14 de Abril como o Dia da Juventude Angolana. Com a suposta, vacilante e talvez morta à nascença, abertura protagonizada por João Lourenço, urge que se pense e actue com a abertura de espírito necessária para implantar um sistema político que albergue a diversidade de opiniões como uma mais-valia de incalculável valor patriótico.

Não é sério, muito menos legítimo e democrático, que se continue a subjugar toda a juventude, bem como todo o resto da população, às teses do partido reinante. De facto, a comemoração com toda a pompa e mordomias inerentes do 14 de Abril era (e poderá continuar a ser) aceitável como marco interno do MPLA e não como algo que possa representar toda a juventude de um país que, também nesta matéria, pretende respeitar e enquadrar-se nas regras de um Estado de Direito, passada que tende a ser a fase em que Angola é o MPLA e o MPLA é Angola.

Embora nem todos tenham consciência disso, o país é hoje outro, amanhã será ainda um outro, pelo que não pode haver receitas unilaterais feitas à medida, e por medida, de um regime que só conhece a razão da força.

Importa que o regime compreenda, embora a isso seja alérgico, que em democracia quem mais ordena é o Povo. E esse Povo não pode estar sujeito a regras que mais não são do que perpetuar o culto sabujo e bajulador a valores e pessoas que em vez de o servirem se servem dele.

De facto, os governo não têm tido vontade, embora tenham os meios, para resolver problemas do Povo, sejam eles da fome, da miséria, da água, da luz, do lixo, da saúde ou da educação da população em geral. No que tange à juventude, esta não tem casa, não tem educação (embora seja educada), não tem emprego e não tem futuro.

Por tudo isto, e não só, a juventude quer mais do que nunca ser ouvida e ter, para além de uma voz gritante e activa, possibilidade de dizer de sua justiça, de participar na vida do seu país. O regime ao obrigar os jovens a aceitar como única a lei do mais forte está a atirar a juventude para as margens da sociedade. E, muitas vezes, demasiadas vezes, quando se está na margem escorrega-se para a marginalidade como antecâmara da violência, da criminalidade ou até da guerra.

Ao contrário do que eventualmente podem pensar os dirigentes do regime, a juventude está atenta a tudo isto e é sobretudo isto que a preocupa. Nós temos jovens que, como nos ensinou Nelson Mandela, são heróis não porque não sintam medo, mas porque o vencem.

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